quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Como Nasce um torcedor

Emoldurada
(Ivan Lins/Celso Viáfora)

“Eu vi a passarela
Refletida na luz dos olhos dela
E na tela do olhar da minha amada
Emoldurada
Passava a Portela
Cantei pra nós
Chorei por ela
Com Monarco e Paulinho da Viola
Eu que sempre chorei por outra Escola
Amei a Portela por ela
Ali, naquela hora”


O que nos faz torcer para um time de futebol? Deve existir um milhão de respostas a esta pergunta, além de centenas de teses sociológicas, históricas, antropológicas e até biológicas. Descobrir qualquer resposta sobre este assunto é muito difícil, acho que é mais fácil desmascarar algumas mentiras.

Primeira mentira, ou no máximo, meia verdade: “eu torço para este time porque é o melhor.” Pode até ser que, durante a pré-adolescência, o sujeito tenha visto uma grande fase deste time, um grande título, um grande jogo ou algo que o valha e que isso tenha influenciado a sua escolha. Mas, não, o sujeito não torce para o “melhor”. O futebol está longe de ser uma competição de produtos regulada pela lei de mercado onde o “melhor” é mais consumido. Fosse assim, quem torceria para o Santa Cruz, há tempos sem avançar nas competições? E é tão bonito ver a sua torcida se manifestando, ver tantas camisas do Santa na rua mesmo quando o time já perdeu tudo o que podia no ano...

Outra mentira sobre esta questão se refere ao tipo de torcedor de cada torcida: tal torcida tem muito gay, tal torcida tem muito ladrão, tão torcida é de elite, etc. Estas teorias, muito repetidas nas mesas redondas do bares da vida, não se sustentam em nenhuma pesquisa sobre torcidas de futebol. Há alguns anos, em São Paulo, um programa de esporte fez uma pesquisa (sem nenhuma base estatística, diga-se de passagem) para saber a maior torcida presente na passeata do orgulho gay, em São Paulo. A torcida do Corinthians era a maior, para alegria dos homofóbicos são paulinos e palmeirenses do programa. Ouso dizer que a pesquisa estava certa e que a torcida do Corinthians é a maior também entre os paulistas carecas, ente os mais velhos, entre os presidiários, entre os mais ricos, etc. etc. Mas não é isso que afirma o mito das torcidas.

No Rio, o mito das torcidas pode ser resumido de maneira grosseira assim: Os tricolores são da elite, os flamenguistas o povão, os vascaínos os operários e os botafoguense os intelectuais. Nem sei, ao certo, se há alguma verdade nestes estereótipos (ou em outros que existam). O que eu sei é que ninguém escolhe time por isso. Já estou até vendo: “realmente, o flamengo é o time da massa. Portanto, acredito que esta escolha é a mais adequada para mim. Vou avaliar com cuidado as opções e confirmarei a minha decisão amanhã.” – João, 11 anos. Ou então: “O Vasco é o primeiro time a ter em seu plantel uma grande quantidade de jogadores negros. Eu, negro que sou, torcerei por este time.” – Fábio, 8 anos. Isto é uma grande piada. O que ocorre é o inverso: primeiro se escolhe o time, depois se busca argumentos para dizer que aquele time é o tal.

Portanto, volto à mesma questão: como se escolhe um time? Eu tenho uma certeza: torcer por um time de futebol é um fenômeno social: vamos aos jogos com amigos, conversamos sobre futebol com colegas, desconhecidos e até inimigos, abraçamos o vendedor de picolé na hora do gol. A escolha do time, obviamente, também é um fenômeno social. Muitos (a grande maioria, talvez) são influenciados pelos pais, ou parentes. Outros pelos amigos. E alguns, influenciados por aquele colega chato da escola, decidem torcer para o seu maior rival.

Eu sempre acreditei que havia decidido ser Vasco após ver um FLAXFLU no Maracanã. Fui com a minha mãe (flamenguista) e o namorado dela na época (tricolor) decidido a escolher meu time. Acabamos conseguindo entrar na área reservada à imprensa. O Flamengo ganhou de 4x0 e eu decidi não ser tricolor. Vendo a festa e a provocação da imprensa flamenguista, eu decidi não ser flamenguista. Entre os outros dois times, escolhi o que tinha a camisa parecida com cinto de segurança e não o que parecia camisa de presidiário, seguindo todo o meu conhecimento baseado em histórias em quadrinhos. Eu acreditava sinceramente que tinha virado vascaíno assim. Um dia, minha mãe mandou a real: eu tinha virado vascaíno por causa do meu tio, cruzmaltino, que sempre levava a mim e ao meu irmão para jogar bola com o nosso primo no aterro. Na época eu neguei, mas aos poucos a ficha foi caindo. Era verdade. Eu havia construído a fábula após ter escolhido o time.

Por isto, insisto: torcer está diretamente ligado às relações humanas. E, portanto, não se define completamente quando se escolhe um time. Quem nunca passou por uma fase mais fanática, outra distante do futebol, para voltar a acompanhar intensamente anos depois? Torcer é uma escolha constante e normalmente ligada à proximidade com outros torcedores, ambos alimentando as devoções recíprocas.

A minha relação com o futebol mudou quando a conheci. Ela é apaixonada por futebol e pelo Fluminense. E sofre intensamente a cada derrota. E sofre intensamente a cada vitória. Passei a acompanhar o tricolor. Nos estádios, via o desespero e a revolta no olhar dela, intercalados por maravilhosos segundos de alegria. Como diz a música Emoldurada, aprendi a gostar do fluminense por tela. Torcemos juntos na final do carioca de 2005 e na final da copa do Brasil do mesmo ano. Aprendi a torcer pelo Flu. Na copa do Brasil de 2007 e na libertadores de 2008, aprendi a amar o Flu. Na verdade, eu continuo apaixonado mesmo é por ela e pelo seu amor às três cores que traduzem tantas coisas para mim... A campanha do Brasileirão este ano, que começou com a virada de 2009 me deu esta certeza; eu amo o Fluminense. Mais do que isso: eu amo o Fluminense dela.

Se por acaso, tiver alguém lendo este texto, sei o que está pensando: “vira-casaca! Esse aí não é torcedor de verdade!” Lamento muito, mas isto não me incomoda. Continuo vascaíno, continuo torcendo para o Vasco sempre. E torço para o Fluminense quase sempre. E nesse momento em que a imprensa quer ensinar o torcedor a torcer (vide as críticas aos que torcem para derrota do seu time com o intuito de prejudicar o rival) eu faço a pergunta: quem pode me dizer a maneira certa de torcer? Quem detém esta resposta? A pessoa que tentar responder a isto vai se achar no direito de definir não só como eu devo torcer, mas também como eu devo pensar, como eu devo agir e, pior do que tudo, como eu devo amar. E depois de quase 8 anos de amor por ela, posso afirmar: o amor é louco e livre, posto que é amor. A mais indomável das relações humanas.