quarta-feira, 30 de abril de 2008

O que sabe o professor que erra

Este título, inspirado no livro "O que sabe quem erra?" de Maria Teresa Esteban, seria o de um artigo que eu escreveria sobre todos os meus erros como professor após o meu primeiro ano em escola pública, e o que eu aprendi com isso. Este artigo ficou só na vontade, pelo menos por enquanto.
Aqui, ele ganha um outro sentido: refletir sobre os preconceitos que estão introjetados nas minhas reflexões e nas minhas ações. Relendo o que eu já escrevi aqui neste blog, percebi que tinha um tom meio arrogante: parece que eu nunca erro nada, que pairo sobre os outros professores, reles mortais defeituosos. A vida não é assim.
Eu já me peguei sendo machista, homofóbico, elitista, racista, etc, etc. Esta semana, mesmo. Como a nossa profissão é um ataque constante à nossa auto-estima, o risco é de nos considerarmos fracassos ambulantes. Não. Estes erros só evidencia a nossa humanidade e superá-los faz parte da nossa caminhada.
A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar".
Eduardo Galeano

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Dor

Foi Carla, minha namorada, quem me alertou: "você viu a capa de 'O Globo' de hoje?" (quarta-feira, dia 09/05/2008). Eu vi, mas não tinha visto nada demais. O que ela percebeu, me deixou pasmo. Uma foto sobre mais uma "operação limpeza" na zona sul do Rio, feita pela prefeitura, trazia a seguinte legenda: "o governo recolhe, em Ipanema, 22 menores e 12 caminhões de lixo". Assim mesmo, juntos. A mesma coisa. A mesma "limpeza".
Eu não sei o que mais me incomodou: a visão elitista e repulsiva de "O Globo" ou a minha apatia. Afinal, eu li, ou melhor, passei os olhos e não me dei conta da barbaridade cometida na minha frente.
Obrigado, Carla, por me fazer enxergar.

terça-feira, 8 de abril de 2008

O preconceito de classe na escola e no futebol

"O pobre é incapaz de pensar. Ou, ao menos, é incapaz de atingir o nosso nível de pensamento." Este tipo de afirmação não pega bem, por isso, você não a ouvirá da boca de ninguém. No entanto, isto muitas vezes é dito, nas entrelinhas, sobre a população pobre. Estudantes de escolas públicas e jogadores de futebol são exemplos típicos.
Na escola, muitos professores desistem de estimular o pensamento crítico e original dos alunos. Para não admitir a incompetência do nosso sistema de ensino, busca o caminho fácil: acusar o aluno de ser incapaz. Curiosamente, na maioria das vezes, são assim rotulados justamente os mais pobres entre os pobres. A reação de uma colega angustiada com o resultado do seu trabalho foi exemplar: "enfim, alguém terá que lavar meu carro no futuro." E tome decoreba, colorir as figuras, aceitar trabalhos reproduzidos da internet, do livro, do outro aluno... A Xerox que tome cuidado: nossos alunos estão sendo preparados para substituir as suas máquinas. As capas dos trabalhos ficam cada vez mais caprichadas, quem é que vai se importar com o conteúdo? A aparência vence, mais uma vez, a essência. Não é fácil nadar contra a corrente e estimular o livre pensar. Mas não é impossível. Ao contrário, é imprescindível.
No futebol, a situação não é diferente. Em entrevistas e debates, já se espera que o jogador (de origem pobre, na sua maioria) vá falar alguma besteira. A idéia de que o pobre é incapaz de refletir criticamente e formular as suas próprias idéias faz com que o jogador seja treinado para dar entrevistas, "blindando-o" contra gafes e deslizes. A repetição das respostas padrão é impressionante: "não existe favoritismo. O adversário é muito perigoso, mas o grupo está unido e o que importa são os três pontos...". às vezes ficamos anos sem saber o que alguns jogadores realmente pensam. Para não errar, o jogador é estimulado a não dizer nada. Quando sai desta redoma de proteção e responde conforme a sua consciência, logo é taxado de "polêmico". Exceção feita aos poucos jogadores de futebol provenientes da classe média e da elite brasileira. Estes, "educados", "sabem falar" da forma que muitos repórteres aceitam ouvir. Ao término da carreira em campo são convidados a se tornar comentaristas: Raí, Caio, Jorginho, Kaká, são exemplos de atletas com este perfil.
As piadas com os "erros" de alunos e de jogadores fazem muito sucesso. Por trás delas o mantra secreto: "não pensem, não tentem, não pensem, não tentem, não pensem, não tentem, não."

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Preconceito no futebol e na escola: "velhos malditos!"

Este é um texto sobre futebol e também sobre educação. Primeiro é preciso dizer o óbvio: o preconceito está presente em toda a sociedade, e como o futebol faz parte dela, também é preconceituoso. O futebol, no entanto, tem características particulares, portanto, os preconceitos aparecem neste esporte também de uma maneira singular.
Não sou um especialista no assunto (não mais do que muitos brasileiros). Mas não posso deixar de perceber e de me indignar com os preconceitos que presencio freqüentemente, por parte dos jogadores, imprensa, público, etc. Acredito que, no futebol, os dois preconceitos mais evidentes são os preconceitos de gênero e de classe, que comentarei posteriormente.
Não são os únicos.
Ultimamente, o preconceito contra os idosos tem aparecido com freqüência na imprensa futebolística. A Fifa proibiu a utilização de determinadas tecnologias que auxiliariam a arbitragem (bolas com chips para identificar se ela entrou no gol, o acesso a imagens da tv para dirimir as dúvidas, entre outras). A imprensa caiu de pau: os "velhinhos caquéticos" da Fifa estariam completamente desconectados com o mundo moderno. Um repórter do jornal Lance chegou a desejar que estes "velhinhos" sejam substituídos por empresários jovens, modernos e com visão de futuro.
Sem entrar no mérito da questão, o preconceito está em todas estas falas. Para reforçar a idéia de que os membros da Fifa estão ultrapassados, associam esta acusação à sua imagem: são velhos, portanto, já eram. É aquela história: se alguém quiser acusar uma pessoa negra de ser ladrão, utiliza-se o preconceito a favor da acusação: "crioulo safado!"
A crítica aos "velhinhos da Fifa" está relacionada à uma questão maior e mais complexa: a tão sonhada(?) modernização do futebol, que merece a atenção, o debate e a reflexão de todos nós. Um dia, pretendo analisar esta questão mais à fundo.
Na escola também há um forte preconceito contra os "velhos", ou tudo que é "velho" . Eu, como professor de história, sinto isto na pele. 1970, 1930 ou 2000a.c. tem o mesmo significado para muitos alunos: são tempos mortos, ultrapassados. Nós professores, somos desta época velha onde nada funcionava e ninguém conseguia viver bem. Quando mais velho for o professor, maior deve ser esta associação.
Quando eu percebo isto, costumo fazer uma provocação: todos os meus alunos, todos, sem exceção, nasceram no século (milênio!) passado. Nesta lógica, portanto, todos nós somos velhos e ultrapassados. Eu costumo falar com os alunos: "quando os seus filhos e netos souberem a data de nascimento de vocês e perceberem que vocês nasceram em mil novecentos e alguma coisa, vocês serão alvo de chacota! Vocês, os velhos do século passado."
Isto, às vezes, tem algum impacto. Principalmente com as turmas mais novas. Vou continuar fazendo esta brincadeira enquanto posso, pois a partir de 2011, começarei a ter alunos nascidos no século 21, e perderei este argumento. Pelo menos até o ano de 2100...