“Professor com todo o respeito, mas quem se ferra com essas greves e
paralisações são os alunos honestos que querem terminar o ensino médio com
dignidade ,quando se tem greve o prejudicado é o aluno, eu sei que o que ajuda
mesmo é manifestação e eu não disse isso só pro senhor.”
Dois alunos
meus, do Colégio Estadual prof. Murilo Braga
Olá pessoal,
Como alguns dos meus
alunos fizeram críticas à greve da rede estadual que eu participo, resolvi
fazer um texto detalhando um pouco mais a minha posição sobre a greve dos
profissionais de educação.
Para iniciar a
conversa, fico feliz em receber críticas de alunos que exigem uma educação de
melhor qualidade. É o que nós queremos. Já quando um aluno concorda com a greve
e comemora só pelo fato de não ter aula, fico sem saber o que dizer. Parece que
meu trabalho não faz muito sentido. Por outro lado, quando um estudante reclama
por mais e melhores aulas penso: podemos começar o diálogo.
Eu compartilho da
preocupação de vocês com a qualidade da educação. Aliás, é algo que me preocupa
a cada dia de aula. A escola pública está em crise e a greve é um grito de luta
de quem não aceita continuar dando aula como se nada estivesse acontecendo. Recuso-me a aceitar calado todos os problemas
que assolam a escola pública, recuso-me a aceitar o fracasso da escola pública
como algo normal. O prefeito do Rio, dia
desses, anunciou que quem não pode pagar por uma escola particular está
satisfeito com as escolas municipais. Ele pode. Ou seja, a escola pública é
ótima, mas só pra quem não pode pagar por uma escola boa de verdade. Isto vindo
do responsável pelos investimentos na educação municipal do Rio é inaceitável.
Mas sem dúvida reflete o pensamento de boa parte dos políticos (inclusive do
governador do Rio de Janeiro) e da elite brasileira.
Dentre os inúmeros
problemas da escola pública no Rio de Janeiro, resolvi destacar três ocorridos
neste ano no C. E. Murilo Braga, e que fazem parte das reivindicações dos
profissionais de educação em greve:
1.
Por questões burocráticas dos órgãos do
governo, ficamos boa parte do ano sem
verbas suficientes para a manutenção da escola. Com isto, as salas de vídeo
e o auditório ficaram sem funcionar. Como alguns de vocês devem lembrar, ficamos
sem poder usar o Datashow ou o DVD, o que reduziu significativamente os
recursos audiovisuais disponíveis.
2.
Turmas
cheias. E o governo acha pouco: insiste a cada ano no que
chama de “otimizar” as turmas, o que significa mais alunos com menos
professores. É cada vez mais difícil realizar o necessário trabalho individual
com alunos. Quais suas dificuldades? O que você deseja? Quais são seus sonhos?
Seus interesses? Seus talentos? É fundamental que os saberes dos alunos sejam
considerados ao se planejar qualquer aula. Mas como, se temos dificuldade até
de saber o nome de todos os alunos? Alguns professores chegam a torcer pela
evasão de alunos, para tornar a aula viável. Recuso-me a torcer para que alunos
desapareçam.
3.
A
falta de democracia interna. Infelizmente não há
eleição para diretor na rede estadual há muitos anos. O processo eleitoral para
a escolha do diretor é pedagógico por vários motivos: coloca na pauta do dia,
para todos, a questão fundamental: que escola queremos? Coloca alunos,
professores, funcionários e pais no papel de protagonistas nas definições dos
rumos da escola. Isto sem contar que o diretor ganha legitimidade como
representante da comunidade escolar e não apenas como um funcionário escolhido
pelo governo.
Isto sem contar a
questão salarial dos professores. Vocês podem se perguntar: ah, e daí, o que eu
tenho a ver com o salário do professor? Ao refletirmos um pouco, percebemos que
o salário está diretamente ligado à qualidade da aula. Com um salário maior, o
professor pode trabalhar em menos escolas e em um menor número de turmas. Isto
permite que este profissional se torne melhor, veja três aspectos disto:
1.
Tempo
para preparar aula. Mais tempo para o professor, pode
significar mais tempo para preparar as aulas (que sempre deveriam estar se
transformando em um mundo em permanente transformação); para preparar materiais
sobre uma questão específica que surgiu em uma turma; para buscar novos
materiais didáticos a serem usados nas aulas. O tempo de planejamento é o que
possibilita ao professor sempre aprimorar a sua aula. Não é à toa que uma das
reivindicações da greve é que se cumpra a lei que estabelece 1/3 do tempo do
professor para este fim.
2.
Maior
qualidade, cuidado e atenção na correção dos trabalhos dos alunos.
Esta é uma outra consequência de um salário maior. O professor deveria passar
trabalhos em que os alunos desenvolvam as respostas. Depois, corrigir
individualmente, com calma, anotando aquilo que considerou interessante (pode
até usar em sala, por que não?), apontando os erros e os caminhos para
consertá-lo. Infelizmente, sem tempo para isso, muitos professores optam
trabalhar apenas com questões de múltipla-escolha ou com respostas objetivas.
Atividades que podem ser interessantes, mas sozinhas não são suficientes para
desenvolver todo o potencial dos alunos. Ou pior: pedem trabalhos extensos,
recebem cópias de páginas na internet e nem ao menos leem. Isto é trágico e
inaceitável, mas por que acontece? Eu já cheguei a ter 14 turmas, 600 alunos. Imagine
que eu demorasse apenas um minuto para corrigir cada trabalho. Isto
significaria 10 horas seguidas corrigindo, sem parar nem para beber
água, e mesmo assim seria uma correção relâmpago. Possibilitar que o aluno
desenvolva a leitura crítica, a escrita e a capacidade de argumentação lógica é
tarefa dos professores. Precisamos de tempo para isto.
3.
Especialização.
O
professor pode usar seu tempo livre para se especializar, tomando contato com
outros professores e pesquisadores que estão refletindo sobre a escola, a sala
de aula, a matéria que ele leciona. Acredite: refletir sobre a nossa prática
nos torna melhores.
Além do baixo salário,
ainda precisamos enfrentar as políticas governamentais nocivas à educação. As
avaliações externas como o SAERJ, feitas por pessoas que não vivem a realidade
das escolas, servem para quê? A questão abaixo, de 2011, continua pertinente:
Caso
uma escola não vá bem na prova do SAERJ, qual será a reação do governo do
estado? Lembre-se: só há uma opção correta.
(A)
Reunir a comunidade escolar (professores, funcionários, alunos, pais), ouvir e
atender as suas reivindicações para melhorar a educação.
(B)
Diminuir o número de alunos por turma, melhorar a estrutura das escolas,
aumentar o salário dos profissionais de educação e abrir novo concurso para
acabar com a falta de profissionais.
(C)
O governador e o secretário de educação pedirão desculpas pela sua
incompetência e prometem renunciar aos seus cargos caso o resultado se repita.
(D)
Lavar as mãos e respirar aliviado, afinal, agora o governo pode culpar os
profissionais de educação e os alunos pelo fracasso escolar.
A resposta certa
evidencia qual é o verdadeiro objetivo da política meritocrática do governo
estadual: fugir da responsabilidade de investir mais e melhor em educação.
Apresentadas todas
estas questões, ainda fica a pergunta. Como conquistar melhores salários e
melhores condições de trabalho? Como conquistar melhorias nas estruturas das
escolas? A greve é o caminho? Acredito que a greve é um dos instrumentos de
luta por uma educação de qualidade. É claro que na escola esta luta é
cotidiana, mas não acredito que ações individuais são suficientes para mudanças
significativas nas escolas. Sabe aquele papo de “eu faço a minha parte”? Só
existe “parte” quando se pensa no “todo” e o todo é coletivo. Já vimos diversos
exemplos na história de como a luta coletiva interfere na realidade. A História
está viva, nós fazemos parte dela.
Não acredito em boa
vontade de governantes. Eles funcionam sobre pressão. Um governante é pressionado
o tempo todo por grupos de interesses dos mais diversos: empresários, outros
políticos, religiosos, fazendeiros, etc. Como a comunidade escolar pode
interferir neste jogo e exigir, por exemplo, mais recursos para a educação? Só
com muita pressão coletiva, que deixe o governante sem saída. Por isto,
participo dos debates, das lutas e das decisões dos profissionais da educação
tomadas em assembleia. Entramos em greve juntos e sairei de greve quando a categoria
assim decidir. Seguiremos unidos por uma educação pública, gratuita, laica e de
qualidade.