quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Sobre a greve

“Professor, o senhor tá se empenhando muito nessa greve e dando pouca aula; metade do ano já foi embora e estamos com pouca matéria.”

“Professor com todo o respeito, mas quem se ferra com essas greves e paralisações são os alunos honestos que querem terminar o ensino médio com dignidade ,quando se tem greve o prejudicado é o aluno, eu sei que o que ajuda mesmo é manifestação e eu não disse isso só pro senhor.”

Dois alunos meus, do Colégio Estadual prof. Murilo Braga

Olá pessoal,

Como alguns dos meus alunos fizeram críticas à greve da rede estadual que eu participo, resolvi fazer um texto detalhando um pouco mais a minha posição sobre a greve dos profissionais de educação.

Para iniciar a conversa, fico feliz em receber críticas de alunos que exigem uma educação de melhor qualidade. É o que nós queremos. Já quando um aluno concorda com a greve e comemora só pelo fato de não ter aula, fico sem saber o que dizer. Parece que meu trabalho não faz muito sentido. Por outro lado, quando um estudante reclama por mais e melhores aulas penso: podemos começar o diálogo.

Eu compartilho da preocupação de vocês com a qualidade da educação. Aliás, é algo que me preocupa a cada dia de aula. A escola pública está em crise e a greve é um grito de luta de quem não aceita continuar dando aula como se nada estivesse acontecendo.  Recuso-me a aceitar calado todos os problemas que assolam a escola pública, recuso-me a aceitar o fracasso da escola pública como algo normal.  O prefeito do Rio, dia desses, anunciou que quem não pode pagar por uma escola particular está satisfeito com as escolas municipais. Ele pode. Ou seja, a escola pública é ótima, mas só pra quem não pode pagar por uma escola boa de verdade. Isto vindo do responsável pelos investimentos na educação municipal do Rio é inaceitável. Mas sem dúvida reflete o pensamento de boa parte dos políticos (inclusive do governador do Rio de Janeiro) e da elite brasileira.

Dentre os inúmeros problemas da escola pública no Rio de Janeiro, resolvi destacar três ocorridos neste ano no C. E. Murilo Braga, e que fazem parte das reivindicações dos profissionais de educação em greve:

1.      Por questões burocráticas dos órgãos do governo, ficamos boa parte do ano sem verbas suficientes para a manutenção da escola. Com isto, as salas de vídeo e o auditório ficaram sem funcionar. Como alguns de vocês devem lembrar, ficamos sem poder usar o Datashow ou o DVD, o que reduziu significativamente os recursos audiovisuais disponíveis.

 

2.      Turmas cheias. E o governo acha pouco: insiste a cada ano no que chama de “otimizar” as turmas, o que significa mais alunos com menos professores. É cada vez mais difícil realizar o necessário trabalho individual com alunos. Quais suas dificuldades? O que você deseja? Quais são seus sonhos? Seus interesses? Seus talentos? É fundamental que os saberes dos alunos sejam considerados ao se planejar qualquer aula. Mas como, se temos dificuldade até de saber o nome de todos os alunos? Alguns professores chegam a torcer pela evasão de alunos, para tornar a aula viável. Recuso-me a torcer para que alunos desapareçam.

 

3.      A falta de democracia interna. Infelizmente não há eleição para diretor na rede estadual há muitos anos. O processo eleitoral para a escolha do diretor é pedagógico por vários motivos: coloca na pauta do dia, para todos, a questão fundamental: que escola queremos? Coloca alunos, professores, funcionários e pais no papel de protagonistas nas definições dos rumos da escola. Isto sem contar que o diretor ganha legitimidade como representante da comunidade escolar e não apenas como um funcionário escolhido pelo governo.

Isto sem contar a questão salarial dos professores. Vocês podem se perguntar: ah, e daí, o que eu tenho a ver com o salário do professor? Ao refletirmos um pouco, percebemos que o salário está diretamente ligado à qualidade da aula. Com um salário maior, o professor pode trabalhar em menos escolas e em um menor número de turmas. Isto permite que este profissional se torne melhor, veja três aspectos disto:

1.      Tempo para preparar aula. Mais tempo para o professor, pode significar mais tempo para preparar as aulas (que sempre deveriam estar se transformando em um mundo em permanente transformação); para preparar materiais sobre uma questão específica que surgiu em uma turma; para buscar novos materiais didáticos a serem usados nas aulas. O tempo de planejamento é o que possibilita ao professor sempre aprimorar a sua aula. Não é à toa que uma das reivindicações da greve é que se cumpra a lei que estabelece 1/3 do tempo do professor para este fim.

 

2.      Maior qualidade, cuidado e atenção na correção dos trabalhos dos alunos. Esta é uma outra consequência de um salário maior. O professor deveria passar trabalhos em que os alunos desenvolvam as respostas. Depois, corrigir individualmente, com calma, anotando aquilo que considerou interessante (pode até usar em sala, por que não?), apontando os erros e os caminhos para consertá-lo. Infelizmente, sem tempo para isso, muitos professores optam trabalhar apenas com questões de múltipla-escolha ou com respostas objetivas. Atividades que podem ser interessantes, mas sozinhas não são suficientes para desenvolver todo o potencial dos alunos. Ou pior: pedem trabalhos extensos, recebem cópias de páginas na internet e nem ao menos leem. Isto é trágico e inaceitável, mas por que acontece? Eu já cheguei a ter 14 turmas, 600 alunos. Imagine que eu demorasse apenas um minuto para corrigir cada trabalho. Isto significaria 10 horas seguidas corrigindo, sem parar nem para beber água, e mesmo assim seria uma correção relâmpago. Possibilitar que o aluno desenvolva a leitura crítica, a escrita e a capacidade de argumentação lógica é tarefa dos professores. Precisamos de tempo para isto.

 

3.      Especialização. O professor pode usar seu tempo livre para se especializar, tomando contato com outros professores e pesquisadores que estão refletindo sobre a escola, a sala de aula, a matéria que ele leciona. Acredite: refletir sobre a nossa prática nos torna melhores.

Além do baixo salário, ainda precisamos enfrentar as políticas governamentais nocivas à educação. As avaliações externas como o SAERJ, feitas por pessoas que não vivem a realidade das escolas, servem para quê? A questão abaixo, de 2011, continua pertinente:

Caso uma escola não vá bem na prova do SAERJ, qual será a reação do governo do estado? Lembre-se: só há uma opção correta.

(A) Reunir a comunidade escolar (professores, funcionários, alunos, pais), ouvir e atender as suas reivindicações para melhorar a educação.

(B) Diminuir o número de alunos por turma, melhorar a estrutura das escolas, aumentar o salário dos profissionais de educação e abrir novo concurso para acabar com a falta de profissionais.

(C) O governador e o secretário de educação pedirão desculpas pela sua incompetência e prometem renunciar aos seus cargos caso o resultado se repita.

(D) Lavar as mãos e respirar aliviado, afinal, agora o governo pode culpar os profissionais de educação e os alunos pelo fracasso escolar.


A resposta certa evidencia qual é o verdadeiro objetivo da política meritocrática do governo estadual: fugir da responsabilidade de investir mais e melhor em educação.

Apresentadas todas estas questões, ainda fica a pergunta. Como conquistar melhores salários e melhores condições de trabalho? Como conquistar melhorias nas estruturas das escolas? A greve é o caminho? Acredito que a greve é um dos instrumentos de luta por uma educação de qualidade. É claro que na escola esta luta é cotidiana, mas não acredito que ações individuais são suficientes para mudanças significativas nas escolas. Sabe aquele papo de “eu faço a minha parte”? Só existe “parte” quando se pensa no “todo” e o todo é coletivo. Já vimos diversos exemplos na história de como a luta coletiva interfere na realidade. A História está viva, nós fazemos parte dela.

Não acredito em boa vontade de governantes. Eles funcionam sobre pressão. Um governante é pressionado o tempo todo por grupos de interesses dos mais diversos: empresários, outros políticos, religiosos, fazendeiros, etc. Como a comunidade escolar pode interferir neste jogo e exigir, por exemplo, mais recursos para a educação? Só com muita pressão coletiva, que deixe o governante sem saída. Por isto, participo dos debates, das lutas e das decisões dos profissionais da educação tomadas em assembleia. Entramos em greve juntos e sairei de greve quando a categoria assim decidir. Seguiremos unidos por uma educação pública, gratuita, laica e de qualidade.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

A revolta do Vintém

Por volta de 1880, a cidade do Rio de Janeiro era a capital do império brasileiro e tinha cerca de 192 mil habitantes. Os bondes eram o transporte de massa da época e quatro companhias dividiam entre si as áreas da cidade. Três das quatro companhias transportaram em 1879 mais de 20 milhões de passageiros. No final de 1879, um imposto que o governo imperial havia criado, faria com que as passagens do bonde aumentassem em 20 réis, o que equivalia a um vintém. Este imposto, muito impopular, deu origem a manifestações que ficaram conhecidas como a revolta do vintém.

            No dia 28 de dezembro de 1879, uma multidão foi às ruas na capital do Império brasileiro, o Rio de Janeiro, se manifestar contra o imposto que aumentava no preço do transporte urbano.

            O objetivo da população era revogar a lei que estabeleceu o aumento dos bondes. Reunidos em frente ao palácio imperial, no bairro de São Cristovão, cerca de 5 mil manifestantes exigiram que o imperador fosse ao encontro deles para debater e receber as suas reivindicações. As forças policiais acompanharam a caminhada dos manifestantes, fazendo bloqueios em determinados trechos. Mas não houve negociação, pois o Imperador aceitou conversar apenas com uma comissão formada por poucos manifestantes. O grupo desejava que o imperador viesse ao encontro do povo e, por isso, não chegaram a nenhum consenso.

            Poucos dias depois, com o início da cobrança do vintém, começaram a ocorrer focos de protestos violentos em vários pontos da cidade, principalmente nas ruas do centro, que duraram pelo menos quatro dias, marcados pela fúria da população que depredava os bondes e armava barricadas para enfrentar a polícia. As manifestações públicas coletivas de protesto popular conhecidas como Revolta do Vintém estenderam-se entre 28 de dezembro de 1879 e 4 de janeiro de 1880.

            Os protestos foram marcados pela depredação de bondes e conflitos diretos com as forças policiais. Em sinal de protesto contra a cobrança do vintém, os manifestantes tomavam os bondes, espancavam os condutores, esfaqueavam os animais usados como força de tração, despedaçavam os carros, retiravam os trilhos e, com eles, arrancavam as calçadas. A polícia enfrentou as manifestações atirando contra as pessoas. Falou-se em 15 a 20 feridos e em três a dez mortos.

            Os jornais mais conservadores falavam na convocação de mobilizações de protesto, pediam que se respeitasse a lei e a ordem, dizendo que o governo tolerava sempre a manifestação de “representações respeitosas” e, finalmente, pedia para que os descontentes, ao invés de protestar, direcionassem sua energia para a eleição de bons políticos que se ocupassem em defender os verdadeiros interesses da maioria da população.

            Nos dias que se seguiram à Revolta do Vintém, depois de interrompida a arrecadação pelo protesto popular, a regularização do imposto foi revogada e os principais integrantes do governo ligados ao episódio foram substituídos.

            A insatisfação do povo demonstrada na revolta do vintém não foi um fato isolado e nem ficou restrita ao valor da passagem. A mobilização popular acabou por questionar também, e cada vez mais, a escravidão e a própria monarquia.



Fontes: Texto de José Murilo de Carvalho, A guerra do vintém.


Texto de Ronaldo Pereira de Jesus, A revolta do vintém e a crise na monarquia.