quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Ao encontro de Eric

Mais um apaixonante e apaixonado texto da Carla, minha namorada. O texto pode ser apreciado mesmo por quem não viu o filme "A procura de Eric" e por quem não é tricolor. Observe que o texto foi escrito antes da última rodada do campeonato brasileiro deste ano:


Ao encontro de Eric

Sábado, dia 28 de novembro, saímos eu e meu companheiro para, enfim, assistirmos ao novo filme do diretor Ken Loach, ‘À procura de Eric’. Há algumas semanas nos programávamos, mas algo desandava. No último sábado, tudo certo.
O filme conta a história de um carteiro que anda com a vida em frangalhos. Eric enfrenta vários problemas em casa, com os filhos, e, por outro lado, uma história mal resolvida do seu passado ressurge, revirando sua consciência e seu coração. Em seus momentos de desesperança, o carteiro Eric passa a se encontrar com outro Eric – a figura de Eric Cantona, grande ídolo e ex-jogador do Manchester United, de um passado não tão remoto. Cantona aparece para Eric como um amigo, alguém próximo, e a partir desses encontros e das conversas que os dois travam ao longo da narrativa, o carteiro inicia um processo de transformação.
O principal personagem ama o futebol. Suas últimas lembranças de momentos felizes estão guardadas na memória de uma partida, nos gols de Cantona, na vitória consagradora de seu time. Pois é partindo dessas doces lembranças que Eric se levanta e, em seus encontros com o ídolo Cantona, passa a se reconhecer como um sujeito ativo de sua própria vida.
Vou comentar algumas coisas que, em minha opinião, tornam este filme imperdível. Em primeiro lugar, gosto da maneira como Ken Loach constrói os seus personagens. Ele não põe o foco em apenas um aspecto da vida de Eric. O carteiro se relaciona e enfrenta diversas frentes: a ex-mulher, os filhos, os amigos e companheiros de trabalho e o novo (velho...) companheiro Cantona. O carteiro de Ken Loach é tudo isso junto e ao mesmo tempo. Cada uma de suas frentes coloca para ele novos desafios, os quais ele vai vivenciando em conjunto.
Assim é como se passam as coisas na nossa vida. Nossas relações estão integradas, por mais fragmentadas que possam parecer. A tentativa de mostrar a conexão entre as partes da vida é algo necessário, sobretudo porque vivemos numa época em que somos indivíduos cada vez mais alienados e apartados da compreensão do todo no qual nos inserimos.
Outro ponto alto do filme, recorrente em outros trabalhos do cineasta, é que a solução encontrada para os conflitos não se deve apenas à ação individual. A solução, ou melhor, o desfecho, sempre requer algum grau de mobilização coletiva dos personagens que compõem a narrativa. É belo perceber como a superação dos problemas demanda uma construção coletiva que mobiliza uma série de identidades e, nos filmes de Ken Loach, especialmente da identidade de classe.
Por fim, como desdobramento do que apontei antes, chamo a atenção para a visão otimista que encerra o filme. A história mergulha nos problemas e nas contradições de Eric com humor e com uma mensagem de esperança. “Sempre há novas possibilidades, sempre há alternativas” é o que diz Cantona. Em tempos de tamanha desesperança, Ken Loach afirma que há possibilidades e que elas, necessariamente, se constroem no coletivo. Assim, ele o faz. Produzindo encanto em tempos de desencanto.
Voltamos para casa, após algumas cervejas, com o coração emocionado pelo filme. No dia seguinte, tudo preparado para ir ao Maracanã em dia de Fluminense x Vitória. O Fluminense, clube do coração, vinha sendo até então o time do desencanto e da total descrença neste ano de 2009. Porém, eis que já no apagar das luzes, no último momento em que ainda era possível iniciar uma reação, o time se levanta e começa a funcionar. E vai ganhando daqui e dali, e vai encantando a sua torcida apaixonada; que por sua vez retribui multiplicando o encanto a partir das arquibancadas.
Então, lá estávamos nós para mais um capítulo desta reação. Se conseguiremos ou não, quem poderá dizer? Éramos um time em frangalhos, mas nos tornamos confiantes e, atuando em coletivo, estamos tentando mudar nossa própria história e sair de um caminho que nos parecia sem volta. Quem sabe se Eric Cantona não andou se encontrando conosco por aí...
Pois antes de entrar no Maracanã, neste último domingo, ainda embalada pela emoção do filme, eu mentalizei o Cantona – aquele mesmo do filme e não apenas o jogador de outrora. Pedi suas bênçãos. Fizemos um bom jogo e ganhamos, seguindo em frente sem esmorecer, na luta para evitar a queda do time para a segunda divisão.
Qual não foi a minha surpresa ao ler, no jornal do dia seguinte, que torcedores ingleses da cidade de Manchester estiveram no Maracanã e se surpreenderam com a festa feita por lá. “– Foi lindo, nunca vi isso. Decidimos vir ao jogo depois que um amigo esteve no aeroporto na quinta-feira e viu a festa que fizeram para receber o time – declarou Douglas Smith, de Manchester.” Assim li no jornal e pensei, então, nas coincidências meio mágicas que, às vezes, vislumbramos só no futebol...
Depois de uma reação improvável, agora chegou a hora em que nos falta apenas mais uma partida a ganhar. Que o encanto e a esperança continuem conosco. E que Eric Cantona apareça para nós no domingo!
Rio, 1º de dezembro de 2009

4 comentários:

andreza disse...

Fiquei com mais vontade de assitir o filme...um texto também mágico carlinha, bj

Maíra disse...

que coisa linda! fiquei emocionada.
beijos tricolores, carla e pedrinho!

Unknown disse...

Carla, meus parabens pelo texto.
Eu como tricolor apaixonado que sou, me arrepio vendo qualquer coisa ligada ao Flu...
mais uma vez parabens e se foi alguma coincidencia ou nao nunca saberemos mas, nos livramos da segundona e ano que vem temos tudo pra ganhar titulos...
Parabens ao meu xara Pedro tb, que apesar de ser vascaino, foi ao site do flu e colocou o link desse texto!
abrax aos dois

Unknown disse...

Querida Carla, vi o filme ontem, antes de ler seu texto. Contei ao Marcelo que amei o filme e ele me enviou o seu texto. Chorei no filme, chorei no texto, lágrimas vindas da beleza de ambos. O filme seguirá comigo, você sabe, isso acontece com filmes que amamos, eles nos aderem e passam a fazer parte do que somos. Seu texto também. Um beijo aos dois,

Stela (botafoguense!!!!!!!!)