terça-feira, 29 de setembro de 2015

Futebol não é estatística

Eu e Carla estamos juntos há mais de 12 anos, começamos a namorar em fevereiro de 2003. A final do estadual daquele ano foi entre o meu Vasco e o Fluminense dela e tínhamos combinado de ir juntos no maracanã, na torcida do Fluminense. Brigamos e ela não foi. O Vasco ganhou, mas suspeito (apesar dela nunca ter admitido isto) que a Carla rogou uma praga fortíssima, pois demorou 12 anos para ganharmos o estadual novamente. Azar no jogo, muita sorte no amor. Você, camarada, tem noção da importância que este jogo teve (e tem) para mim?

Na experiência pessoal do torcedor, cada jogo é um jogo e eles não se equivalem: tem o jogo em que a mãe e a filha foram juntas pela primeira vez, a vitória do time do pai após a sua morte, o impedimento não marcado que fez vizinhos brigarem e nunca mais se falarem. Não há espaço para estatística nesse negócio chamado vida. Paixão não se calcula, não dá pra tirar a média ponderada.

O mesmo que vale para as pessoas, vale para as torcidas: o título da copa Mercosul em uma virada inacreditável sobre o Palmeiras quando perdia de 3x0 é mais comemorado pela torcida vascaína que o campeonato brasileiro daquele ano. A vitória que valeu o tricampeonato estadual do Flamengo sobre o Vasco com um gol de falta do Petkovic no fim do jogo é mais lembrada que o título brasileiro de 2009, em que pese a surpreendente arrancada final. Este ano, aliás, ficou marcado por outra arrancada: as sete partidas finais do Fluminense que fez o time escapar de um rebaixamento considerado inevitável, queimando a língua de todos os comentaristas esportivos. Não valeu título, mas foi mais festejado que muitas conquistas. Para ficar em dois casos teoricamente equivalentes: o título invicto do carioca de 1989 vale mais pra torcida do Botafogo que o título invicto de 1996. Há milhões de exemplos como estes: gol de barriga, gol de reserva expulso em seguida, gol de ídolo maravilha, 6x0 vingado: não há estatística que consiga medir o que aquele momento específico significa.

O jogo válido pelo segundo turno do campeonato brasileiro entre Vasco e Flamengo já acabou, mas o debate não. De um lado, vascaínos chamando o rival de freguês, do outro, flamenguistas contra-argumentando que o Flamengo tem maior número de vitórias na história do clássico e que, portanto, o Vasco é que seria freguês. Debate em futebol é irresistível e interminável. Nunca vi nestas discussões um vascaíno convencer um flamenguista de que o seu time é melhor, ou vice-versa, mas ambos continuam tentando ganhar no jogo e nas palavras, no replay e na mesa de bar, na internet e no trabalho.

Nestas horas tudo vira argumento, até a danada da estatística. Claro, só a que interessa: a mesma torcida que apela para os números na hora de provar a freguesia do rival, os ignora quando quer chamá-lo de “vice”.

Veja só como essa tal de estatística é mentirosa: este ano, no clássico, o Vasco venceu quatro jogos, o Flamengo venceu dois e teve dois empates. Olhando assim, a diferença parece menor do que é: na verdade, o Fla venceu um amistoso disfarçado de torneio no início do ano e um jogo na primeira fase do carioca. O Vasco venceu dois duelos mata-mata (o que coloca os dois empates como parte das suas vitórias) e dois jogos no tedioso campeonato brasileiro de pontos corridos.


Ou seja: estatística só serve para ser usada em debates infinitos sobre que time é melhor, maior, etc. Debates que algumas pessoas (como eu) acham engraçadíssimos, outras acham super irritantes e que são, em termos práticos, inúteis e irrelevantes. Acho que é por isso mesmo que eu me divirto tanto com eles.

Um comentário:

Terrible Sam disse...

Enfim, concordamos em algo. O choro, a reclamação, a encarnação, a gozação, são coisas do momento e não devem ultrapassar esses limiares nem se tornar ofensas que resultem em desarmonia. A amizade vale mais do que uma simples partida de futebol. Os antagonismos não devem superar a lógica.

Em tempo: Parabéns pela lucidez do texto!