Eu e Carla estamos juntos há mais
de 12 anos, começamos a namorar em fevereiro de 2003. A final do estadual daquele
ano foi entre o meu Vasco e o Fluminense dela e tínhamos combinado de ir juntos
no maracanã, na torcida do Fluminense. Brigamos e ela não foi. O Vasco ganhou,
mas suspeito (apesar dela nunca ter admitido isto) que a Carla rogou uma
praga fortíssima, pois demorou 12 anos para ganharmos o estadual novamente. Azar
no jogo, muita sorte no amor. Você, camarada, tem noção da importância que este
jogo teve (e tem) para mim?
Na experiência pessoal do
torcedor, cada jogo é um jogo e eles não se equivalem: tem o jogo em que a mãe
e a filha foram juntas pela primeira vez, a vitória do time do pai após a sua
morte, o impedimento não marcado que fez vizinhos brigarem e nunca mais se
falarem. Não há espaço para estatística nesse negócio chamado vida. Paixão não
se calcula, não dá pra tirar a média ponderada.
O mesmo que vale para as pessoas,
vale para as torcidas: o título da copa Mercosul em uma virada inacreditável
sobre o Palmeiras quando perdia de 3x0 é mais comemorado pela torcida vascaína
que o campeonato brasileiro daquele ano. A vitória que valeu o tricampeonato
estadual do Flamengo sobre o Vasco com um gol de falta do Petkovic no fim do
jogo é mais lembrada que o título brasileiro de 2009, em que pese a
surpreendente arrancada final. Este ano, aliás, ficou marcado por outra
arrancada: as sete partidas finais do Fluminense que fez o time escapar de um
rebaixamento considerado inevitável, queimando a língua de todos os comentaristas
esportivos. Não valeu título, mas foi mais festejado que muitas conquistas. Para
ficar em dois casos teoricamente equivalentes: o título invicto do carioca de
1989 vale mais pra torcida do Botafogo que o título invicto de 1996. Há milhões
de exemplos como estes: gol de barriga, gol de reserva expulso em seguida, gol
de ídolo maravilha, 6x0 vingado: não há estatística que consiga medir o que
aquele momento específico significa.
O jogo válido pelo segundo turno
do campeonato brasileiro entre Vasco e Flamengo já acabou, mas o debate não. De
um lado, vascaínos chamando o rival de freguês, do outro, flamenguistas
contra-argumentando que o Flamengo tem maior número de vitórias na história do
clássico e que, portanto, o Vasco é que seria freguês. Debate em futebol é
irresistível e interminável. Nunca vi nestas discussões um vascaíno convencer
um flamenguista de que o seu time é melhor, ou vice-versa, mas ambos continuam
tentando ganhar no jogo e nas palavras, no replay e na mesa de bar, na internet
e no trabalho.
Nestas horas tudo vira argumento,
até a danada da estatística. Claro, só a que interessa: a mesma torcida que apela
para os números na hora de provar a freguesia do rival, os ignora quando quer
chamá-lo de “vice”.
Veja só como essa tal de estatística é mentirosa: este ano, no clássico, o Vasco venceu quatro jogos, o Flamengo venceu dois e teve dois empates. Olhando assim, a diferença parece menor do que é: na verdade, o Fla venceu um amistoso disfarçado de torneio no início do ano e um jogo na primeira fase do carioca. O Vasco venceu dois duelos mata-mata (o que coloca os dois empates como parte das suas vitórias) e dois jogos no tedioso campeonato brasileiro de pontos corridos.
Ou seja: estatística só serve
para ser usada em debates infinitos sobre que time é melhor, maior, etc.
Debates que algumas pessoas (como eu) acham engraçadíssimos, outras acham super
irritantes e que são, em termos práticos, inúteis e irrelevantes. Acho que é por
isso mesmo que eu me divirto tanto com eles.
Um comentário:
Enfim, concordamos em algo. O choro, a reclamação, a encarnação, a gozação, são coisas do momento e não devem ultrapassar esses limiares nem se tornar ofensas que resultem em desarmonia. A amizade vale mais do que uma simples partida de futebol. Os antagonismos não devem superar a lógica.
Em tempo: Parabéns pela lucidez do texto!
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