terça-feira, 8 de abril de 2008

O preconceito de classe na escola e no futebol

"O pobre é incapaz de pensar. Ou, ao menos, é incapaz de atingir o nosso nível de pensamento." Este tipo de afirmação não pega bem, por isso, você não a ouvirá da boca de ninguém. No entanto, isto muitas vezes é dito, nas entrelinhas, sobre a população pobre. Estudantes de escolas públicas e jogadores de futebol são exemplos típicos.
Na escola, muitos professores desistem de estimular o pensamento crítico e original dos alunos. Para não admitir a incompetência do nosso sistema de ensino, busca o caminho fácil: acusar o aluno de ser incapaz. Curiosamente, na maioria das vezes, são assim rotulados justamente os mais pobres entre os pobres. A reação de uma colega angustiada com o resultado do seu trabalho foi exemplar: "enfim, alguém terá que lavar meu carro no futuro." E tome decoreba, colorir as figuras, aceitar trabalhos reproduzidos da internet, do livro, do outro aluno... A Xerox que tome cuidado: nossos alunos estão sendo preparados para substituir as suas máquinas. As capas dos trabalhos ficam cada vez mais caprichadas, quem é que vai se importar com o conteúdo? A aparência vence, mais uma vez, a essência. Não é fácil nadar contra a corrente e estimular o livre pensar. Mas não é impossível. Ao contrário, é imprescindível.
No futebol, a situação não é diferente. Em entrevistas e debates, já se espera que o jogador (de origem pobre, na sua maioria) vá falar alguma besteira. A idéia de que o pobre é incapaz de refletir criticamente e formular as suas próprias idéias faz com que o jogador seja treinado para dar entrevistas, "blindando-o" contra gafes e deslizes. A repetição das respostas padrão é impressionante: "não existe favoritismo. O adversário é muito perigoso, mas o grupo está unido e o que importa são os três pontos...". às vezes ficamos anos sem saber o que alguns jogadores realmente pensam. Para não errar, o jogador é estimulado a não dizer nada. Quando sai desta redoma de proteção e responde conforme a sua consciência, logo é taxado de "polêmico". Exceção feita aos poucos jogadores de futebol provenientes da classe média e da elite brasileira. Estes, "educados", "sabem falar" da forma que muitos repórteres aceitam ouvir. Ao término da carreira em campo são convidados a se tornar comentaristas: Raí, Caio, Jorginho, Kaká, são exemplos de atletas com este perfil.
As piadas com os "erros" de alunos e de jogadores fazem muito sucesso. Por trás delas o mantra secreto: "não pensem, não tentem, não pensem, não tentem, não pensem, não tentem, não."

7 comentários:

andreza disse...

também convivo com pessoas que acham que são professores e ouço essas mesmas piadas sobre o que os alunos são capazes de compreender ou não compreender...além das capas, o que prevalece é o cumprir os malditos e enferrujados conteúdos programáticos, pois para eles o pensamento é linear, não conseguem ver de outra forma. gente infeliz, rrrrrrrrrrrrrrrrrrr

Unknown disse...

afinal, pobres, jogadores e alunos, são ou não são burros?
podem ser que sim, pode ser que não.
tudo depende, na verdade, do que significa ser burro e inteligente. em outras palavras, qual é o conhecimento que é valorizado e que tipo de conhecimento voce, eu e cada um valoriza...

Anônimo disse...

Oi, Pedro. Que bom que podemos partilhar angústicas e sonhar com uma reforma neste nosso mundo tão louco. Apesar de tudo, eu ainda acredito. Acredito que é possível mudar , que é preciso refletir, trocar, partilhar e destruir tudo o que construimos até então e dar início a uma nova era. Infelizmente, vejo que alguns colegas, acomodam-se em seus 'mini-mundos" e se contentam com a falta de interesse, com a desmotivação e pior: alguns sentem prazer com o insucesso dos alunos. É muito ruim constatar que ainda não aprendemos a pensar coletivamente. Ainda não aprendemos que educação é muito mais do que um caderno impecável ou que um "sim senhora". O conhecimento é a única forma de instrumentalizar nossa galera a pensar e modificar aquilo que não está legal. Porém, muiitos de nós, também se acomodou e se acostumou a ser menos, a não ser respeitado, a ser sempre preterido a alguém....
Mas com certeza exite uma saída!!!! E discutir nossas angústias acho que é uma bom começo!

Anônimo disse...

Pois é, Pedro, o preconceito contaminou tudo. Já sabemos - infelizmente - que muitos colegas de profissão já entregaram os pontos. Desistiram dos alunos, desistiram da Educação. Reclamam dos alunos, do salário, do sistema educacional brasileiro... Enfim, isso já é sabido e renderia infinitas discussões. Mas, nesse momento, o que tem me causado grandes preocupações é o preconceito por parte dos alunos. Comecei a dar aulas em duas escolas estaduais: uma em Nova-Sepetiba e outra no Méier. Realidades diferentes, mas que têm em comum a "pobreza", o analfabetismo funcional e o preconceito generalizado. Preconceito que beira o pânico. Em ambas, estou trabalhando com a origem do povo brasileiro: matrizes indígenas, européias e africanas. Percebo que, quanto mais novos os alunos, maior o pânico. É notório que o sistema educacional da "xérox", da decoreba, do superficial, da reprodução dos padrões globais, contribui muitíssimo para isso. A maioria dos alunos repete o que ouve sem ao menos conhecer ou questionar o que está repetindo. Então, a riqueza da cultura afro-brasileira vira sinônimo de "macumba", o que, além de ser um reducionismo cultural grave, se torna também algo proibido inclusive de ser discutido, analisado. Cultura indígena vira sinônimo de selvageria, ou reduzida a um capítulo histórico "exótico", mas inexistente atualmente. Expressões culturais e artísticas tradicionais são insuportáveis, obsoletas, pobres, feitas por pessoas "feias"... Negam-se a conhecer o "diferente", não se reconhecem como marginalizados, excluídos socialmente. A Escola tornou-se um local desagradável, pouco produtivo e pouco funcional para alunos e professores. Apesar desse quadro caótico, ainda acredito numa "volta por cima" da nossa Educação, do nosso Povo, do nosso País.

tici disse...

se "apoiar" num preconceito é caminho mais fácil pra mascarar as próprias deficiências.
Tb tenho um blogue. Mas estou preparando uma repaginada nele, pq tem tempo que não posto nada. Vou colocar vc num link lá! beijo grande e saudades!

tici disse...

meu blogue ta agora novo! vai lá! beijo!

Unknown disse...

E aí Pedrinho! Maravilha seu blog. Tirando suas críticas aos flamenguistas e ao flamengo, que eu não acho que é bem assim, tenho muita concordância com essas reflexões. Escrevi uns troços meio confusos e resolvi colocar aqui como forma de comentário.
Abração


Escolarizando
conforme forma mente
conforma gente

educando conforme
a formação que forma
a mente desforme
deformando a forma
que educadamente
mente e conforma

carretel de lata velha
de pipa solta
de rabiola farpada

"que eu me organizando
posso desorganizar
que eu desorganizando
posso me organizar"

desorganizadamente
menteorganizar
organizadamente
mentedesorganizar
sem o verbo que mente
desescolar
as amarradasmentes
para no mundo escolar colar
urgentemente
insurgentesmentes
desconformar