terça-feira, 11 de março de 2008

Fazer a minha parte?

"Houve um incêndio na floresta e enquanto todos os bichos corriam apavorados, um pequeno beija-flor ia do rio para o incêndio levando gotículas de água em seu bico. O leão, vendo aquilo, perguntou para o beija-flor: 'Ô beija-flor, você acha que vai conseguir apagar o incêndio sozinho?' E o beija-flor respondeu: 'Eu não sei se vou conseguir, mas estou fazendo a minha parte'."

Muita gente conhece a fábula acima. Eu a ouvi pela primeira vez quando era estudante do ensino fundamental, e em um debate, concluímos que o beija-flor estava certíssimo, pela sua persistência e esperança. Temos que fazer a nossa parte para mudar tudo que está errado no mundo. Que bonito! Parabéns ao beija-flor!

Mas... Voltando ao mundo real: qual o resultado prático desta ação? O beija-flor, após despejar diversas gotas na floresta, morreu incendiado. Os outros animais conseguiram fugir. No entanto, sem habitat adequado, acabaram morrendo de fome, ou caçados pelo bicho homem. Ou seja: a admirável atitude do beija flor acabou em... nada. "Fez a sua parte". Que parte? Parte do quê?

Desculpem-me os professores românticos. Não é assim que se transforma efetivamente a realidade. Muitos professores aceitam esta saída como a única alternativa possível, e fazem o que consideram a "sua parte": preparam boas(?) aulas, dão conselhos para os alunos transviados(?), talvez até doem umas cestas básicas para as famílias pobres. Ganham uma consciência tranquila(?) e uma realidade caótica: os alunos continuam chegando semi-analfabetos ao sexto ano; os livros continuam sendo artigo raro nas casas; os estudantes vão se sentindo a cada dia mais sufocados na escola; esta por sua vez vai, cada vez mais, perdendo sentido e utilidade.

Uma atitude individualista, mesmo que altruísta, não tem resultados práticos. Percebendo isto muitos professores desistem de qualquer ação transformadora. Tratam de cuidar das suas vidas. Um dia, um professor me falou: "eu já me preocupei com isso aí (educação). Hoje, é cada um por si". Infelizmente, o número de mortos-vivos na educação não pára de crescer. Não é saída: é fuga.

Não adianta fugir: a única saída é a organização. É óbvio que é fundamental pensar e repensar as aulas. Mas não somente: temos que discutir com nossos colegas o projeto político pedagógico da escola e organizar projetos coletivos para atingir objetivos coletivos. Mas não somente: temos que refletir sobre a educação e trocar experiências com colegas, alunos, funcionários, pais, das nossas e de outras escolas. Mas não somente: temos que nos organizar e lutar para que os nossos projetos e valores educacionais virem realidade.

É difícil? Muito. Começar a debater estas coisas pode ser chato pra caramba. Começar, inclusive, é mais chato que continuar. Mas, repito, não vejo outra saída. Ou tomamos partido ou continuaremos assistindo a falência da educação. Outra saída é esperar um herói: esperar um presidente/governador/prefeito bonzinho, que vai apostar na educação e vai pensar pela gente o que é "educação de qualidade".

Quem espera sempre cansa. Mas pelo menos um destes chefões, em um gesto de bondade, pode emprestar um laptop para o professor jogar paciência enquanto a casa cai...

4 comentários:

Guilherme disse...

Concordo contigo, Pedro. Quando alguem fala "estou fazendo a minha parte", mesmo quando sabe que o que esta fazendo nao vai adiantar de nada, esta na verdade dando uma desculpa para ficar de consciencia limpa. Muito mais verdadeiro e natural falar que nao vai fazer nada porque nao esta afim.
E, se for querer colaborar, tem que fazer de forma inteligente e que de resultado.

Juliana disse...

Meu sempre querido,
concordo com você quanto à necessidade de uma atuação mais abrangente, mas tenho observado de perto o resultado do meu trabalho de beija-flor. Tem dado certo. talvez eu precise atuar também de outra maneira, mas hoje, serei sincera: ou faço o trabalho de beija-flor, ou fujo da floesta. Por enquanto só tenho conseguido o primeiro. É muito difícil lutar sozinha contra um incêndio tão grande. Um abraço apertado.

tici disse...

Eu acho importante o trabalho do beija-flor. Mas acho que minha interpretação da parábola é diferente. Acho que a parte do beija-flor é tanto a boa aula como a discussão de melhores políticas educacionais em qualquer âmbito. O que não dá é pro beija-flor fazer a parte dele e o leão passar a vida de barriga pra cima esperando a sua parte na caçada...

Renata Cristian disse...

Pedrinho, meu querido amigo,
Sinto-me um tanto quanto preenchida por suas reflexões , que têm sido as mesmas minhas ultimamente.
Acho interessante não fecharmos em soluções para a Educação, se não cairemos na repetição de um discurso semelhante ao que muitos pedagogos repetem atualmente: "O importante é amar os seus alunos!!". E outras frases deste tipo. Concordo que amar os alunos seja importante , mas é também buscar soluções pessoais para manter viva a chama do desejo de dar o melhor de si e de contruir uma Educação melhor.POr isso, acho que fundamental otrabalho de beija-flor. Outros beija-flores (que também estão fazendo seus trabalhos solitariamente) podem ser convocados de outras florestas a realizarem juntos a tentativa de salvar uma árvore que seja. Melhor que ficar esperando a ajuda ou até tentando acordar outros animais que estão cegos ao problema. Isto talvez seja um pouco romantico mas tem sido a minha busca.
Um grande beijo.
E continue sempre com este espírito inquietante, que na minha opinião é fundamental para transformar as coisas, pessoas e a si mesmo.